Finalizado: O Espírito Azul

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Gritos ecoavam em meio a floresta de maneira repetidamente. Eram gritos sincronizados, um berro, uma pausa e depois outro em seguida. Conforme o vento se aproximava da origem daquele som destoante em meio a natureza, foi de encontro a um rapaz as margens de um rio corrente.

O jovem segurava sua espada, não tinha perícia, era desajeitado e a pegada frouxa. Mas sua determinação e vontade inabaláveis o fizeram, por conta própria, aprender o básico em como manusear uma espada.

Tenaka praticava todas as manhãs no rio ao lado do templo Lianhua, onde havia sido criado por sua avó. Nesta manhã não havia sido diferente. Ele desceu logo cedo o monte e começou a brandir sua espada pelo menos uma centena de vezes.

Antes de completar a nonagésima quarta, Tenaka sentiu uma aproximação, o som de passos e um galho se partindo a pelo menos cinco metros atrás dele, se não fosse a quietude da floresta não teria reparado.

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As montanhas inóspitas para pessoas comuns tornava a visitação algo inesperado. Era difícil achar comida e tigres espreitavam aquela região disforme. O simples fato de alguém ter chegado tão perto sem que ele pudesse perceber o fez engolir seco, todos os pelos de seu corpo estavam ouriçados e ele podia ouvir o seu coração palpitar.

Enquanto se virava, não sabia o que iria encontrar. Tenaka foi percebendo o rio ao seu lado e depois a floresta atrás dele. E ali estava ele, parado sobre o chão de cascalho das margens do rio. Uma figura trajando um kimono branco e um chapéu de palha, por um segundo o rapaz demorou para identificar a presença daquela figura, mesmo sendo pálido e com roupas claras, completamente distoando da paisagem, ao mesmo tempo, parecia que não estava ali.

– Moleque, onde fica o templo Linhua? – foi só ao ouvir sua voz que Tenaka pôde relaxar sabendo que, apesar da aparência, ainda era humano.

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Tenaka acenou com a cabeça, confirmando saber a respeito da localização do templo. O homem suspirou sutilmente, em alívio, ele não trajava nada além de seu manto, um cantil na cintura, uma pequena sacola nas costas e a bainha de uma espada que escapava por sua capa. Era como se estivesse viajando há alguns dias desde então.

– Mostre o caminho – ele respondeu se aproximando do rapaz. Foi neste momento que ele percebeu sua pele ligeiramente ressecada, os olhos claros e azuis como o céu, assim como seus cabelos grisalhos e frágeis, apesar de jovem.

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Enquanto subiam a montanha, Tenaka que estava mais a frente não conseguia deixar de espiar o homem por cima do ombro. O rapaz conhecia bem aquelas montanhas e sabia o melhor caminho para subir até o templo, evitando bestas ferozes e outros riscos da natureza.

O homem demorou para responder, eles continuaram a subir. Após alguns instantes, enquanto ele havia parado para respirar um pouco, retirando o cantil de sua cintura e dando um farto gole no que aparentava ser água – Estou caçando – curto e grosso, ele respondeu, parando para encarar o garoto e ver sua reação.

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Enquanto o viajante misterioso matava sua sede com o cantil, Tenaka tentou tirar mais alguma informação do homem misterioso. O rapaz perguntava sobre o alvo de sua caçada, imaginando bestas e animais perigosos que podiam ser encontrados naquela região.

O homem guardou o cantil, puxou o chapéu de palha novamente para sua cabeça, afinal o sol começava a atacar sua pele frágil e esbranquiçada, causando queimaduras avermelhadas. Então ele retornou a andar, passando por Tenaka sem dizer uma única palavra, até seguir um pouco adiante e falar – Fantasmas – e então ele seguiu.

Após alguns minutos o templo surgiu no horizonte ao norte. A madeira alaranjada já podia ser vista através das árvores mesmo de longe. O viajante e o jovem aprendiz seguiram por uma estrada até encontrar uma escadaria de pedra que os levaria para a entrada do templo.

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O caminho foi feito. Tenaka passou pelo pátio seguindo pelos corredores de engawa até chegar na construção principal, onde o monge sacerdote geralmente meditava durante a manhã.

Alguns acólitos do templo encaravam a presença do misterioso visitante de forma curiosa, outros apenas sorriam gentilmente lhe dando boas vindas com um olhar generoso.

De frente para a porta do septo, o velho monge meditava em total concentração, de frente para seis jovens aprendizes que trilhavam o caminho do budismo. Tenaka sabia que não seria uma boa hora interrompê-los, porém, o homem com seu olhar inexpressivo e aura misteriosa emanava impaciência.

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Tenaka se aproximou do sacerdote no centro do salão. Ele estava sentado na posição de lótus com uma vasilha em sua frente, enquanto atrás jazia uma estátua de buda enorme. Na vasilha de cobre um punhado de incensos emanavam um odor agradável de flores e algo doce.

Com a aproximação do jovem aprendiz, o sacerdote do templo ainda de olhos fechados fez um movimento com os braços, criando um arco completo e juntando suas mãos com um selo de mãos similar ao selo ninja do tigre – Imagino que seja um assunto urgente, peça para que entre o nosso honorável convidado – e enquanto isso o sacerdote fez um novo gesto com as mãos.

– Retomaremos a meditação em alguns minutos! – com isso os aprendizes se levantaram e partiram pela porta, reverenciando o viajante.

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O viajante adentrou o recinto em silêncio, sem responder Tenaka. Ele caminhou até o monge sacerdote, de frente para ele, mas sem ultrapassar a vasilha de cobre com os incensos. O homem se sentou, de forma desleixada. Sua perna dobrada e a outra estirada, ele apoiava o cotovelo em cima do joelho dobrado e pendia a mão por cima da cintura.

O monge falou algo, Tenaka não pôde ouvir. O homem respondeu, também sem sucesso. A conversa durou alguns minutos, e, durante algum momento, Tenaka percebeu o rosto do monge se entristecendo de uma forma que nunca havia visto antes.

O viajante se levanta, o monge também o faz – Tenaka! – disse o monge, o convidando a adentrar o templo.

– Por favor, leve nosso convidado até a residência! – Era assim que eles chamavam o edifício do templo que abrigava todos os acólitos em seu momento de descanso. E então o monge os reverenciou em saída.

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Tenaka guiou o viajante por um corredor externo, passando por um caminho sobre um lago até chegarem num edifício aos fundos do templo. Lá, o rapaz escorreu uma das portas shoji, revelando um humilde interior com alguns vários quartos espalhados.

Os primeiros sempre ficavam vagos, então Tenaka o guiou até o quarto da frente, escorrendo a porta e revelando um ambiente aconchegante para visitantes, com apenas uma cama no chão e alguns móveis de canto, como caixas e baús.

O viajante acenou positivamente antes de entrar no recinto, tirando os calçados em frente a porta do edifício e então foi para o quarto, onde se sentou sobre a cama e colocou a Katana ao seu lado. Tenaka o encarou pela porta durante alguns instantes.

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– Garoto! – o homem falou, antes que o próximo passo de Tenaka o colocasse em frente às portas Shoji de acesso ao quarto do visitante. Ele encarava o chão, com suas feições inexpressivas e sem vida.

– Vocês não teriam saquê? – ele perguntou, ainda parado naquele canto desolado no quarto. Tenaka sabia que havia saquê no templo, usado para cerimonias e rituais, não para beber e satisfazer os prazeres físicos da carne, algo que a intuição do rapaz o dizia que era o caso.

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Tenaka o jovem decidiu acatar ao pedido do homem. Foi caminhando despretensiosamente até a dispensa do templo, onde encontrou algumas várias jarras de saquê e alguns copos. O rapaz agarrou o primeiro que viu, assim como um copo e retornou sem chamar muita atenção até o quarto do misterioso homem.

Tenaka entrou no quarto e entrou no quarto e o entregou o saquê para o homem, que se serviu de imediato, deixando a garrafa ao lado e encarando o liquido semi translúcido de um saquê puro, aparentemente feito pelos próprios monges – Sente-se – o homem surpreendeu o rapaz, oferecendo que se sentasse a sua frente.

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Com o copo em mãos e o olhar vazio encarando o líquido que balançava dentro do recipiente, suas palavras arrastadas e deprimidas que eram baixas e inexpressivas assustaram Tenaka de uma forma que nunca antes havia acontecido – É provável que todos neste templo morram esta noite – e então, após aquelas palavras rígidas o homem levou o copo até a boca e bebeu todo o seu conteúdo de uma vez só.

Ele abaixou a mão, ainda olhando para o tatami no chão, desanimado e sem emoção em suas palavras e no olhar, reabastecendo o copo com o saquê.

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A conversa, agora em tom fúnebre, seguia da mesma forma arrastada. O homem era definitivamente estranho, mas de alguma forma não parecia incomodar Tenaka que naquele momento estava apenas preocupado com o que ele havia dito a respeito do futuro do monastério.

– Eu estava voltando para Utakata quando encontrei rastros de um Oni azul nesta região, não um comum, algo maior e mais forte... Havia uma marca de morte em uma árvore aqui perto, quer dizer que hoje a noite ele pretende se alimentar para ficar mais forte – o homem bebeu e encheu mais um copo após sua explicação.